A escuridão da democracia na África: uma reflexão necessária

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Enquanto o mundo assiste a um recuo generalizado das democracias desde 1945, um fenômeno especialmente perturbador se manifesta na África lusófona. País após país, os progressos democráticos conquistados nas décadas de 1990 estão sendo desmontados, vítima de um golpismo cada vez mais audacioso e impune.


No Mali e no Burkina Faso, exaltados como exemplos de esperança democrática, as juntas militares que assumiram o poder em 2020 e 2022 não sequer mencionam a possibilidade de eleições. Em Bamako, todos os partidos políticos foram dissolvidos, e o general Assimi Goïta não hesita em prender seus críticos, como o ex-primeiro-ministro Moussa Mara. No Burkina Faso, o capitão Ibrahim Traoré força os opositores a combater no front contra os jihadistas.


Em Niamey, o general Abdourahamane Tiani mantém há dois anos o ex-presidente Mohamed Bazoum e sua esposa em prisão domiciliar. Em Conakry, o general Mamadi Doumbouya pratica um regime de terror, prendendo jornalistas, advogados e políticos. No Chade, Mahamat Idriss Déby joga na cadeia seu principal adversário eleitoral, Succès Masra.


Até o Togo, onde Faure Gnassingbé, filho do ditador Gnassingbé Eyadéma, alterou as regras para permanecer no poder, e o Camaroon, onde Paul Biya, com 92 anos, busca um oitavo mandato proibindo a candidatura de Maurice Kamto. A escuridão da democracia se espalha.


As causas desse retrocesso

Para compreender essa onda autoritária, é preciso olhar além das culpas externas. Enquanto a França, antiga potência colonial, continua apoiando ditadores e reduzindo a democracia à simples realização de eleições fraudulentas, os Estados africanos culpam o ocidente por seus fracassos.


Mais de 60 anos após as independências, a rejeição da democracia se baseia em motivos internos: governos ineficientes diante dos jihadistas e o ressentimento contra a França. Essas juntas buscam fortalecer seu poder desassociando a democracia do contexto africano, promovendo um discurso de 'autonomia' que mascara sua incapacidade de atender às necessidades básicas da população.


O ensino de Ousmane Ndiaye

Em seu livro L’Afrique contre la démocratie. Mythes, déni et péril, Ousmane Ndiaye nos lembra que a democracia não é uma patente ocidental. Na África pré-colonial, movimentos de resistência e dinâmicas políticas já testemunhavam aspirações à igualdade e ao autogoverno.


Até hoje, países como o Senegal oferecem exemplos de governos que conciliam tradição e modernidade. A democracia é universal, mas sua implementação deve ser adaptada a cada contexto. No entanto, os africanos não precisam inventar a roda: a história mostra que a busca por liberdade e justiça transcende fronteiras.


Ao final, o retrocesso democrático na África lusófona é um alerta para o mundo. Enquanto os governos se negam a ouvir suas populações e recorrem ao autoritarismo, o grito por liberdade ecoa em silêncio.

Bruno Lima

Bruno Lima

Enquanto isso, no Brasil, assistimos a um governo que promete 'governar para os brasileiros', mas parece mais interessado em governar contra a democracia. É triste ver que o mesmo discurso de exclusão e desrespeito às instituições que ecoa na África também tem seu espaço por aqui.

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