As rodovias que cortam ou margeiam terras indígenas não apenas fragmentam o território, como também abrem caminho para males que transcendem o físico. O alcoolismo, uma doença silenciosa que desafia a resistência das comunidades originárias, surge como um dos principais problemas associados à presença dessas vias.
Construídas durante a ditadura militar (1964-1985), essas rodovias foram projetadas sem considerar o impacto sobre as populações indígenas. Hoje, elas se transformaram em corredores de tragédia, facilitando o acesso a bebidas alcoólicas e contribuindo para um aumento vertiginoso nos casos de violência, transtornos mentais e suicídios.
Para Stephen Baines, professor da Universidade de Brasília (UnB), o contato entre as comunidades indígenas e a sociedade nacional, mediado pelas rodovias, resulta em uma série de desafios. Atropelamentos, invasões de terras, prostituição e alcoolismo são apenas algumas das consequências dessa interface problemática.
Em regiões como a Terra Indígena Rio das Cobras, no Paraná, o drama se repete diariamente. Antes do pôr do sol, indígenas deixam suas aldeias para comprar álcool nas cidades邻近。Neoli Kafy Ryque, coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Litoral Sul, destaca que o álcool é um fator desencadeante de violências variadas, incluindo contra mulheres e crianças.
Embora a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) promova ações de tratamento contra o vício, a cobertura é irregular e insuficiente para atender às necessidades das milhares de aldeias espalhadas pelo Brasil. O Ministério da Saúde informou que investe em serviços de atenção psicossocial, mas detalhes sobre as ações específicas contra o alcoolismo são escassos.
Os números não mentem: entre 2000 e 2023, 1.993 indígenas morreram em acidentes de trânsito. Essas mortes superaram os óbitos decorrentes de doenças virais e protozoárias, destacando-se como um problema de saúde pública de dimensão nacional.
Essa realidade não é isolada; ela reflete uma crise mais ampla na relação entre o Estado brasileiro e as comunidades indígenas. Enquanto as rodovias continuam a ser construídas sem diálogo adequado, os danos à saúde, à segurança e à dignidade das populações originárias persistem.