No coração do bairro Tatuquara, em Curitiba, um gesto de bondade virou referência nacional em ação social. Há mais de 30 anos, Vitorino Xavier plantou seeds de esperança que hoje florescem na Associação de Proteção à Infância Vovô Vitorino. Criada oficialmente em 1994 por sua filha Maria Julia Xavier, a organização nasceu do simples ato de conversar e orientar crianças enquanto construía a casa da filha.
Após o trágico falecimento de Vitorino em um acidente de carro, a família decidiu transformar a dor em um legado. 'O Vitorino fazia comida para ele e as crianças acabavam se aproximando, atraídas pelo cheiro. Ele acolhia cada uma naquele terreno ainda em construção — sem esgoto, sem asfalto, aberto, sem muros', lembra Livercina Xavier, filha de Vitorino e presidente da Associação.
Inicialmente focada na educação infantil, a ONG expandiu suas atividades para adolescentes e jovens, oferecendo cursos profissionalizantes e transformando vidas. 'A gente atendia de forma meio aleatória, sem experiência', contou Livercina. Com o tempo, surgiu a necessidade de buscar apoio institucional, recebendo suporte da Secretaria de Educação para estruturar o atendimento.
Apesar dos avanços, os desafios financeiros persistiram. 'A gente continuou com a educação infantil, atendendo todas as exigências da vigilância sanitária, mas ainda com uma restrição muito grande de recursos', explicou. A situação melhorou com parcerias importantes, como a La Violetera e um posto de gasolina que ajudaram na logística.
Um dos marcos foi o lançamento do Projeto Reciclar é Viver em 2006, que troca resíduos recicláveis por alimentos básicos. 'Criamos uma moeda de troca. O reciclável era valorizado e o alimento vendido por preços abaixo do mercado', explica Livercina.
Outro destaque é o Projeto Despertar para a Autonomia, realizado em parceria com a Petrobras, que oferece cursos profissionalizantes gratuitos. Na primeira edição, 520 pessoas foram capacitadas, e a meta agora é atingir 1.500 participantes até 2027.
'Muitas vidas foram salvas através do nosso trabalho. Jovens que viviam na rua, que fizeram vários cursos, conseguiram emprego. Hoje são pessoas que fizeram curso superior, trabalham em grandes empresas, no poder público em cargos de chefia', afirma Maria Julia Xavier.
durante a pandemia de Covid-19, a entidade distribuiu mais de 20 mil cestas básicas, kits de higiene e gás de cozinha a mais de 3 mil famílias. 'Ficamos dois anos rodando comunidades. Deus protegeu nossos voluntários, e conseguimos acolher quem mais precisava naquele momento difícil', relembra Maria Julia.
Após isso, a organização passou a focar na profissionalização da comunidade, mantendo-se atenta às mudanças locais. 'Nós tivemos sempre essa preocupação de estar avaliando a conjuntura do momento', destaca Livercina.
Com mais de três décadas de história, a Associação Vovô Vitorino tem um legado consolidado e planos sólidos para o futuro. 'O grande legado que o Vovô Vitorino deixa é essa questão de as pessoas se despertarem para um ideal: que todos os jovens tenham oportunidade, que todos os negros tenham oportunidade', afirma Maria Júlia.
Para Livercina, o futuro depende de manter viva sua essência: responder às demandas reais da comunidade. Um dos desafios é a necessidade urgente de um espaço maior, já que a estrutura atual é limitada.
