Em um momento histórico que promete ecoar por muito tempo, os deputados franceses aprovaram uma lei que não apenas divide opiniões, mas também fere o senso comum. A proposta do senador Laurent Duplomb, do partido Les Républicains, intitulada «loi visant à lever les contraintes à l’exercice du métier d’agriculteur», foi votada e aprovada no Palais-Bourbon, em 8 de julho. A presença marcante de Fleur Breteau, fundadora do coletivo Cancer Colère, que assistia ao debate de longe, desde um dos balões do edifício, era o suficiente para indicar que aquele não seria apenas mais uma votação.
Com o rosto marcado pela doença e pelo tratamento que está recebendo, Breteau foi convidada por parlamentares de esquerda para assistir à sessão. Seu momento de indignação explodiu assim que o texto foi aprovado: «Vous êtes les alliés du cancer et nous le ferons savoir!» (Vocês são aliados do câncer e faremos com que isso seja conhecido), ela gritou, diante dos aplausos triunfantes dos deputados. Em resposta, o riso ecoou pelo hemiciclo — uma mescla de cynismo, virilismo e desdém que contrastava dramaticamente com a angústia daquela mulher e das comunidades científicas envolvidas.
Para entender o significado dessa votação, é preciso olhar não apenas para o que foi aprovado, mas contra quem ela foi destinada. A lei afeta diretamente 22 sociedades médicas, incluindo a Ligue contre le cancer, e desafia organismos como a Agence nationale de sécurité sanitaire. Além disso, o texto atinge sindicatos agrícolas, fundações de pesquisa médica e centenas de médicos que se manifestaram publicamente contra a proposta. Em resumo, os deputados não apenas votaram uma lei; eles deram seu apoio explícito a um sistema que marginaliza a ciência, desafia a saúde pública e fere os princípios da agricultura responsável.
Essa decisão revela uma ruptura democrática inédita. Ao reprimir vozes tão importantes quanto as das associações ambientalistas e das comunidades científicas, os parlamentares franceses demonstraram um desrespeito que transcende o campo político. Eles não apenas ofenderam a medicina e a agricultura; também desafiaram a própria humanidade.